No campo dos conflitos de interesses levados ao judiciário, o cenário ideal seria aquele em que as obrigações fossem cumpridas espontaneamente, sem a necessidade de o juiz adotar medidas coercitivas para tal desiderato. Ocorre que não é essa a realidade aparente no judiciário brasileiro.

Diante deste cenário, a finalidade das astreintes consiste na coerção como técnica processual utilizada pelo Estado-juiz a fim de compelir a parte para que pratique ou se abstenha de praticar ato contrário ao mandamento emitido.

As astreintes encontram origem no Direito Francês e no Direito Estadunidense. Mazeudi afirma que “ce procédé de pression est souvent utilisé par les tribunaux” (este processo de pressão é de uso comum nos tribunais). Do mesmo modo, o direito anglo-saxão conhece a ferramenta do contempt of court que, literalmente, significa o desprezo do tribunal pela parte no processo.

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 andou com o tema, disciplinando de forma expressa entre os poderes do juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, conforme reza o art. 139, IV.

Do mesmo modo, o CPC também disciplinou a possibilidade ampla de revisão do montante, para mais ou para menos, bem como a exclusão quando haja demonstração do cumprimento da obrigação ou justo impedimento.

A tormenta enfrentada nos tribunais continua a ser os limites do montante das astreintes como multa pecuniária atrelada ao cumprimento de obrigação de fazer ou obrigação de não-fazer.

Analisando a situação histórica, o primeiro precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o AgInt no AgRg no AREsp 738.682 da relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, no qual fixou 04 (quatro) critérios a serem observados na quantificação das astreintes, quais sejam: (i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; (ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); (iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e (iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo.

Calha registro especial, o (iv) item que consiste no dever de o devedor mitigar o próprio prejuízo, na expressão cunhada pela doutrina “duty to mitigate the loss”, que já foi objeto do enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal que reza: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”.

Em data recente, o STJ voltou a enfrentar o tema no julgamento do REsp 1.714.990, no qual a obrigação de fazer consistia em suspender cobrança de R$ 123,92 e a multa atingiu R$ 1,2 milhão, sendo reduzida pela Ministra Nancy Andrighi, de R$ 1 mil para R$ 100 por dia.

No entanto, a Ministra também deixou claro que a resistência do devedor quanto ao cumprimento da obrigação deve ser avaliado para fixar a razoabilidade do importe da multa, a fim de que a redução não simbolize o estímulo do desrespeito à Corte.

Entre os dois julgados, portanto, nota-se que o STJ caminha entre a doutrina francesa de considerar as astreintes como método de pressão sobre o devedor e a doutrina anglo-saxã de utilizá-la como instrumento para impor o dever de respeito ao Tribunal e o acatamento das ordens dele emanadas.

Em qualquer das hipóteses que se depare, considerando os parâmetros fixados, tem-se como possível o amplo debate a respeito do valor das astreintes, sobretudo porque o ordenamento jurídico veda o enriquecimento sem justo motivo.

Cristiano Quinaia 
cristianoquinaia@mandaliti.com.br