Após acalorada discussão jurídica, principalmente no âmbito dos Tribunais Trabalhistas Pátrios, em especial, ante os termos do §2º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que a concessão de aposentadoria espontânea não teria o efeito de extinguir o contrato de trabalho.

Pois bem, a partir da reforma da Previdência, introduzida pela Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, dentre outras inovações, tal reforma legislativa estabeleceu o rompimento do vínculo empregatício do ocupante de cargo, emprego ou função pública em razão de aposentadoria com aproveitamento do respectivo tempo de contribuição. São os termos do § 14 do art. 37 da Constituição Federal – CF, ad litteram:


“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) (destaque nosso)


A consequência imediata desse dispositivo é o desligamento do servidor ou empregado público que se aposentar utilizando o tempo de contribuição do cargo ou emprego público. Até então, admitia-se que um empregado de uma empresa pública, por exemplo, pudesse se aposentar utilizando o tempo de contribuição desse emprego público e permanecesse em atividade, acumulando os proventos da aposentadoria com a respectiva remuneração. Com a nova regra, se esse empregado se aposentar aproveitando o tempo de contribuição do vínculo com a empresa pública, romperá o vínculo empregatício, ou seja, será desligado dos quadros da empresa.

Esse é o regramento ditado pela Constituição Federal, que estabelece o rompimento do vínculo, sendo importante destacar que não estamos a falar de demissão sem justa causa do empregado público, mas rompimento do contrato do trabalho de acordo com disposição constitucional. Consequentemente, verbas rescisórias do quilate da multa fundiária compensatória de 40% (art. 18, §1º da Lei 8.036/1990) não poderão mais ser exigidas.

Enfim, para servidores públicos em geral, nada de particularmente relevante foi alterado com o advento da Reforma Previdenciária, pois a aposentadoria, tradicionalmente, sempre implicou afastamento das atividades e vacância do cargo público. Já para empregados públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e, portanto, vinculados ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, a mudança é relevantíssima.

Vale dizer, não raramente empregados públicos de empresas estatais, mesmo após a aposentadoria, permaneciam em suas atividades, normalmente, tendo em vista a ausência de liame entre as relações trabalhista e previdenciária. A aposentadoria, em suma, não teria o condão de extinguir relações de trabalho.

Em atividades estritamente privadas, a aposentadoria continua a não produzir rescisão de vínculo empregatício. Agora, na hipótese de emprego público, a situação se inverte. A aposentadoria em empresas estatais produz, indiretamente, o término do liame laboral. A conexão não é necessária, mas, por outro lado, não se pode dizer que é inconstitucional, ao menos até o momento.

Teoricamente, regramentos diversos entre regimes privados e públicos de trabalho são possíveis, especialmente quando destinados a atender ao interesse público e aos princípios da Administração Pública. Enquanto em ambiente privado a relação de emprego – e sua consequente extinção – situa-se no âmbito do Direito Privado e da autonomia privada da vontade, pode o poder reformador entender que, no interesse da atividade econômica patrocinada pelo Estado, a aposentadoria implique afastamento das atividades profissionais.

A discussão sobre o real impacto da aposentadoria na produtividade, motivação e eficiência de um profissional pode justificar inúmeras opiniões e pesquisas, mas, seguramente, não é uma escolha inconstitucional. Assim, com a Reforma Previdenciária, a aposentadoria implicará pleito voluntário de rescisão de emprego, com as consequências trabalhistas daí oriundas.

No entanto, também é importante destacar que de forma a estabelecer uma transição razoável, o art. 6º da EC 103/19 prevê que o novo regramento não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional. Portanto, razoável a aplicação dessa ressalva a todas as pessoas que requereram a aposentadoria antes de 13 de novembro de 2019, mesmo que a concessão tenha sido posterior, em prestígio ao direito adquirido.

Andréia Maria Roso
Advogada Setor Consultivo Trabalhista
andreiaroso@mandaliti.com.br