De forma simples, a Inteligência Artificial (IA) pode ser definida como a ciência de criar máquinas e/ou dispositivos que executam tarefas tipicamente humanas, fazendo escolhas a partir de um processo interno de avaliação.

Os algoritmos que compõem uma IA distanciam-se dos algoritmos tradicionais na medida em que podem ser treinados, inclusive por si próprios, para acumular experiências até aprenderem a funcionar de maneira semelhante aos humanos.

No âmbito jurídico, o uso de inteligência artificial na tomada de decisões judiciais inaugura um novo paradigma no sistema judiciário.

Atualmente, cerca de 70 ferramentas de inteligência artificial  são utilizadas por aproximadamente 50 Tribunais nacionais, além da Plataforma Sinapses do CNJ. Estes modelos computacionais, nas suas diferentes fases – em ideação, em desenvolvimento ou já implementadas –, são empregados tanto nas atividades administrativas, quanto na etapa pré-decisória, instrumentalizando o magistrado para a tomada de decisão.

No STF, por exemplo, são utilizados dois sistemas de IA: o VICTOR – que auxilia na classificação dos recursos extraordinários, identificação dos temas de repercussão geral de maior incidência, conversão de imagens em textos no processo digital, separação do começo e do fim de um documento (peça processual, decisão etc.) em todo o acervo do Tribunal, separação e classificação das peças processuais mais utilizadas; e a RAFA – que auxilia na identificação dos objetivos de desenvolvimento sustentável AGENDA 2030 da ONU em relação aos casos que tramitam no STF.

Além dos órgãos jurisdicionais, a própria advocacia tem utilizado cada vez mais a inteligência artificial.  Seja para realização de serviços de natureza paralegal/administrativa, reduzindo atividades repetitivas realizadas por humanos, ou ainda para incremento da própria gestão jurídica dos processos, avaliando de forma inteligente dados estruturados para subsidiar a definição de estratégias de otimização de resultados.

Muito embora o conceito de IA não seja algo novo, sua utilização vem ganhando muito mais corpo nos últimos anos. Entretanto, ainda não existe nenhuma regulamentação específica no Brasil sobre o tema.

Por essa razão, o Senado Federal instituiu em 30/03/2022 uma comissão temporária de juristas para elaboração de um anteprojeto de regulação da inteligência artificial, a fim de subsidiar a análise de vários projetos de lei anteriores relativos ao tema (citando especialmente o PL 5.051/2019, PL 21/2020 e PL 872/2021). Este anteprojeto vem sendo chamado de Marco Legal da Inteligência Artificial, tal como tivemos, no ano de 2014, o “Marco Civil da Internet” que disciplina o uso da internet no Brasil.

Em linhas gerais, o Marco Legal da IA define princípios, regras, diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no país, estabelecendo direitos para as pessoas afetadas por sistemas de IA, classificando riscos e medidas de governança e transparência que devem ser observadas pelas organizações envolvidas, em quaisquer etapas do ciclo da vida do sistema.

Além disso, o Marco Legal da IA estabelece sanções em caso de descumprimento de suas disposições e, no tocante à responsabilidade civil, prevê que o fornecedor ou operador que causar dano patrimonial, moral, individual ou coletivo é obrigado a repará-lo integralmente, independente do grau de autonomia do sistema (princípio da reparação integral). Por outro lado, o anteprojeto também estabelece as situações nas quais os “agentes de IA” não serão responsabilizados pelos danos causados.

A minuta indica, também, a necessidade de criação de uma Autoridade Reguladora e Fiscalizadora, para unificar as regras e fiscalizar o atendimento à legislação, aplicando penalidades àqueles que não cumprirem as disposições legais.

O anteprojeto foi entregue em 06/12/2022 ao Senador Eduardo Gomes, sendo que o texto já foi devidamente aprovado pelo Senado Federal e juntado aos projetos de lei que seguem tramitando em conjunto, para que se possa dar seguimento ao processo legislativo rumo à edição do referido Marco Legal no país.
 

Carolina Simões Cunha                                             Thiago de Miranda Aguilera Campos
Advogada do Consultivo Cível                                  Coordenador Consultivo Cível