Comemorado no dia 21 de março, o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial foi instituído pela Organização das Nações Unidas em memória ao Massacre de Sharpeville, que ocorreu na África do Sul em 1966. Embora tenha como cerne reconhecer a batalha e as conquistas de direitos sociais para todas as raças, também revela a necessidade de introdução da temática no dia a dia da sociedade, sobretudo, no campo educacional das relações étnico-raciais em relações de trabalho e emprego.

Em novembro de 2022, mês da Consciência Negra, o Poder Judiciário reascendeu a discussão sobre o combate à discriminação racial e racismo por meio do “Seminário Nacional Simone André Diniz - Justiça, Segurança Pública e Antirracismo”, sediado pelo Tribunal Superior do Trabalho. O evento, recordista de inscrições para qualquer atividade já realizada no TST, contou com a participação de representantes de áreas diversas do Poder Judiciário, da OAB e de ONGs e institutos de proteção de grupos vulneráveis, combate ao racismo e promoção da igualdade, como a ONG Criola e o Instituto do Negro Padre Batista, e procedeu na criação do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, para eliminação do racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário.

O Seminário fez parte de um pacote de recomendações feitas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), oriunda do caso Simone André Diniz versus Brasil, que culminou na primeira condenação internacional do Brasil por racismo, em 2006, Relatório 66/06. A condenação resultou na responsabilização do Estado pela promoção e aperfeiçoamento do controle e combate ao racismo, na obrigação de promover o debate de igualdade em direito e respeito envolvendo essas questões, além do reconhecimento público do país pela violação dos direitos humanos e reparação financeira à ofendida.

O caso paradigmático julgado pela Corte não revelou apenas falha de apreciação pelo Poder Judiciário ao racismo institucional, mas renovou a existência de um racismo estruturalmente impregnado em nossa sociedade, cujas mudanças devem transcender a obrigação do Estado, contando com a participação das empresas e organizações privadas como parte integrante no combate e prevenção ao racismo, que vai muito além do bem-estar físico e mental de seus empregados.

O racismo no Brasil está em todos os âmbitos do Estado: está na naturalização de ações e falas, pensamentos, hábitos, situações e atitudes existentes na sociedade, que promovem, normalizam e estimulam, ainda que disfarçadamente, a segregação e o preconceito racial, se mostrando reflexamente impregnado dentro das estruturas das empresas, o que redunda no preconceito racial estrutural.

A promoção dos direitos humanos e o enfrentamento do racismo passa por uma sociedade justa, fraterna e solidária, e as empresas tem por obrigação constitucional a valoração do trabalho humano, devendo assumir a condição de protagonistas da ordem econômica (Artigo 170, incisos III, VII e VIII, da CF), por meio de políticas permanentes para a redução das desigualdades regionais e sociais, alinhadas ao que leciona o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), sob pena de, não o fazendo, pecarem para além da omissão, se tornando agente que pactua com o racismo estrutural, naturaliza e o aceita.

A adequação de procedimentos internos para oportunizar a entrada de pessoas pretas no mercado de trabalho, programas de primeiro emprego e trainee, avaliação das barreiras que estão impedindo pessoas pretas de ingressarem na empresa, ou mesmo impulsionar o quadro e a estrutura existentes para cargos de liderança e governança por meio de programas de ação afirmativa, são excelentes medidas para apoiar a diversidade, bem como garantir a igualdade material entre os cidadãos, gerando reflexos nas mais diversas áreas, como saúde, educação e trabalho, exercício da cidadania e evolução da pessoa.

Medidas simples como a adoção de novos olhares por meio de representatividade étnico-racial, a desconstrução e reconstrução das relações pela promoção de debates de igualdade e respeito e letramento racial, dentre outras similares, fazem com que raça deixe de ser vista como um marcador de subjetividade de gênero ou classe e afaste a percepção de aptidão do indivíduo como igualmente não competente.

A vista de tudo isso, fato é que o racismo estrutural que permeia a história ainda se mostra presente e sintomático no contexto social, econômico e político da sociedade brasileira e, por sua vez, nas relações de trabalho, carecendo de forças de combate e proteção igualmente empenhadas no fortalecimento de melhores práticas sociais, na medida em que não existe eficiência sem reparação histórica.

Inúmeros estudos apontam que um ambiente de trabalho diverso pode impulsionar o crescimento das empresas, na medida em que proporciona novas oportunidades de negócio, como revela pesquisa feita pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que assinalou crescimento exponencial entre produtividade versus aumento da diversidade ético-racial entre os anos de 2010 e 2019. O estudo destaca, ainda, os ganhos relacionados a competências e habilidades diversificadas e melhoria no clima organizacional e potencialização da performance dos/as profissionais.

Por outro lado, levantamento realizado no quarto trimestre de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), destacou que pessoas pretas representam 72,9% dos desocupados do país, de um total de 13,9 milhões de pessoas nessa situação. Esta condição se agravou durante a pandemia, conforme análise realizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), que revelou um aumento significativo da desigualdade entre pretos e brancos.

No caminho deste debate, qualquer negligenciamento ou ação de cunho racista deve ser energicamente combatido. As empresas devem se manter atentas e posicionadas às mazelas que integram o cotidiano do país e à concretude ao compromisso da causa de grupos tradicionalmente discriminados por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, caso queiram se manter inseridas num mercado cada vez mais volátil e competitivo e a cada dia mais atento a valores e ideais empáticos às diversidades.


Régis Benante Ribeiro
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