As tecnologias digitais ocupam um papel significativo na transformação dos diversos aspectos da sociedade, inclusive no âmbito jurídico. No contexto trabalhista, a prova digital de geolocalização surge como uma ferramenta poderosa para averiguar a jornada de trabalho dos empregados, trazendo maior transparência e eficácia na fiscalização dos direitos trabalhistas.

A jornada de trabalho é um dos principais pontos de discussão no campo probatório da reclamação trabalhista, cujo impasse sempre ficou à mercê principalmente da prova testemunhal. Por sua vez, a valoração da prova testemunhal é algo extremamente complicado, considerando as possibilidades da testemunha mentir, omitir ou modificar fatos, por qualquer intenção que seja.

A correta apuração das horas trabalhadas, muitas vezes, é um desafio para nossos magistrados. Ao mesmo tempo, é um fator essencial para garantir o respeito aos limites legais e assegurar decisões justas, que protejam tanto os direitos dos trabalhadores, quanto dos empregadores, que em inúmeros processos são condenados com fundamento em provas frágeis e depoimentos irreais.

Nesse sentido, a utilização da geolocalização é um importante instrumento para os dois lados dessa relação. Para os trabalhadores, que poderão comprovar a real jornada de trabalho e receber pelas horas extras realizadas; e para os empregadores, que evitarão reclamações trabalhistas infundadas, e condenações sem embasamento robusto.

Maria Cristina Peduzzi, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), defende o uso de prova digitais, por serem mais eficazes do que a prova testemunhal, afirmando que “O CSJT e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) vêm promovendo a capacitação de juízes e de servidores no sentido da utilização das provas digitais. Mecanismos de geolocalização podem trazer informações precisas e mesmo irrefutáveis, se comparadas com as provas testemunhais. Os registros tecnológicos verificados em aparelhos de celular permitiram esclarecer se um empregado que reclama o pagamento de horas extras estava realmente no trabalho após o expediente”.

Nesse contexto, a prova digital assume papel central, sendo imprescindível para a prova da jornada de trabalho a existência de elementos concretos que possibilitem justa decisão dos processos trabalhistas. Vale ressaltar que a Lei Geral de Proteção de Dados possibilita o tratamento de dados pessoais na hipótese de exercício de direitos em processo judicial (art. 7º, VI; e 11, II, “a”).

Mas o cerne da questão é: a prova digital de geolocalização é meio legítimo, ou significa afronta ao sigilo telemático e à privacidade? Como os Tribunais Regionais do Trabalho têm se posicionado acerca do tema, até que o TST consolide o entendimento? O tema é enfrentado com certa resistência pelos Tribunais Regionais de modo geral, mas decisões esparsas em sentido contrário estão surgindo e ganhando força.

Em recente decisão do TRT do Rio de Janeiro, a desembargadora relatora Claudia Maria Samy Pereira da Silva explicou que é conferido ao juiz ampla liberdade de direção do processo, para determinar a produção de provas que entender necessárias, e indeferir aquelas que julgar inúteis. Em contrapartida, fez uma observação sobre essa liberdade: "não cabendo o indeferimento da prova para, posteriormente, o juízo julgar o feito de forma desfavorável à parte que pretendia produzi-la".

O TRT de Santa Catarina admitiu o uso da geolocalização do celular de uma funcionária de banco, que alegou cumprir horas extras com frequência. No caso, a maioria dos desembargadores da Seção Especializada 2 seguiu o entendimento de que o pedido não violava a intimidade da trabalhadora, sobrepondo-se ao posicionamento de três dos dez desembargadores no sentido de que a pesquisa só poderia ser autorizada pela Justiça, se não houver outros meios de prova, como documentos e testemunhas.

Segundo Gracio Petrone, desembargador da 12ª Região, a medida não ofende a garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações ou a LGPD, desde que os dados coletados estejam em sigilo, reservada sua análise às partes envolvidas.

O que se nota é que a prova digital de geolocalização representa uma importante evolução no direito trabalhista, permitindo maior precisão e transparência na apuração da correta jornada de trabalho dos empregados. O uso da tecnologia no Poder Judiciário servirá inclusive para reduzir a insegurança jurídica, até então gerada por outros meios de prova extremamente falíveis, como a prova testemunhal do processo do trabalho.

Ao mesmo tempo, a privacidade e a proteção de dados são direitos fundamentais dos indivíduos e devem ser respeitados no contexto da utilização dos dados de celular como prova, sendo necessário encontrar um equilíbrio entre a necessidade de obtenção de provas relevantes e a proteção da privacidade dos envolvidos. É importante adotar cautelas e limitações adequadas, para garantir que a utilização dessas informações seja justa e equilibrada.

Este novo meio probatório fornece dados mais consistentes e confiáveis para a retratação dos fatos, e deferir sua produção promove a busca mais efetiva da verdade real, além da segurança da prestação jurisdicional, para que a Justiça do Trabalho cumpra o princípio da primazia da realidade. O tema segue em debate nos Tribunais Regionais do Trabalho envolvendo muita controvérsia, enquanto não há um posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho.


Debora Paulovich Pittoli Pegoraro
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